sexta-feira, 16 de setembro de 2016

UM SÁBIO DIFERENTE


Conta-se que vivia, em um velho hotel em Marrakech, um homem de nome Vladimir Kolievich.

Falava pouco e quando conversava com os outros hóspedes não fazia referências sobre seu passado.

Deixava, às vezes, escapar observações eruditas, que davam mostras de grande e extraordinário saber.

Uma noite, quando vários hóspedes se encontravam reunidos na sala, uma jovem escritora russa perguntou se alguém saberia onde ficava um rio de nome Falgu.

Embora fossem pessoas cultas e estudiosas, todos confessaram ignorar tal informação.

Para surpresa geral, porém, o misterioso Vladimir aproximou-se dizendo:

O rio Falgu fica perto da cidade de Gaya, na Índia.

Para os budistas é considerado um rio sagrado, pois junto a ele Buda teria recebido a inspiração divina.

Diante da admiração de todos, continuou:

Seu leito apresenta-se coberto de areia, parecendo eternamente seco, árido como um deserto.

O viajante que dele se aproxima não vê água, nem ouve o menor rumor do líquido.

Cavando-se, no entanto, alguns palmos na areia, encontra-se um lençol de água pura e límpida.

E, com a simplicidade e a clareza peculiares aos grandes sábios, passou a contar coisas curiosas, não só da Índia, mas também de diversas partes do mundo.

Falou sobre filanezes, espécie de cadeiras usadas pelos habitantes de Madagascar, quando viajam.

Depois, discorreu a respeito da vida e da obra de diversos romancistas franceses.

Todos estavam admirados com a facilidade com que ele passava de um assunto para outro, sem perder a segurança, não deixando pairar qualquer dúvida sobre a extensão de seus conhecimentos.

De repente, começou uma forte ventania e alguns dos presentes demonstraram intranquilidade.

Vladimir acalmou a todos, tecendo comentários esclarecedores sobre variados flagelos da natureza.

No dia seguinte um dos hóspedes, seriamente intrigado, procurou-o para saber, afinal, quem seria aquele sábio que quase passara ignorado.

O senhor nos maravilhou ontem com seu saber. Não imaginávamos que tivesse tão grande cultura. Na sua academia, com certeza...

Foi interrompido por Vladimir que se sentia muito constrangido pela forma como era tratado.

Não me considere um sábio. Eu pouco sei, ou melhor, nada sei.

Não reparou nas palavras de que tratei? Falgu, filanezes, França, flagelos... Todas começam com a letra “f”.

Como o seu interlocutor mostrasse surpresa, explicou:

Estive, por motivos políticos, preso durante dez anos nas prisões da Sibéria. O condenado que havia ficado antes na cela em que me puseram, deixou os restos de uma velha enciclopédia.

Como não havia com o que mais me ocupar, li e reli, centenas de vezes aquelas páginas. 

Eram todas da letra “f”.

Sou precisamente o contrário do rio Falgu, pois pareço possuir uma correnteza enorme e profunda de saber. No entanto, minha erudição não vai além de alguns verbetes decorados de uma velha enciclopédia.

*   *   *

Costumamos nos iludir facilmente com aparências e belas palavras.

Criamos expectativas, idolatramos os outros para, logo em seguida, ao conhecê-los um pouco melhor, nos dizermos desapontados e desiludidos.

Só se desilude quem se ilude, porque buscamos mitos e modelos em seres tão imperfeitos quanto nós mesmos.

Jesus, nosso Irmão e Mestre é o único Modelo seguro do qual podemos nos valer, hoje e sempre.


Redação do Momento Espírita, com base em capítulo
Do  livro Os melhores contos, de Malba Tahan,
ed. Record.
Em 15.9.2016